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Aproximação de
uma nave espacial a um wormhole. É visível uma galáxia nas
proximidades da outra boca.
Créd: NASA |
O Homem tem procurado explorar a vastidão do cosmos nas
últimas décadas. No entanto, no que respeita às viagens
espaciais, tornou-se óbvio que os seus esforços são
severamente limitados por duas formidáveis barreiras: a
própria vastidão do espaço e a lentidão das viagens espaciais.
Por exemplo, uma viagem a Marte, com as actuais velocidades
das naves espaciais, demora vários meses e uma jornada à
estrela mais próxima, Alfa de Centauro, levaria centenas de
milhares de anos. As viagens até planetas de outros sistemas
solares poderiam durar milhões de anos. Viagens com
velocidades próximas da da luz, caso fossem tecnicamente
possíveis, também não resolveriam todas as dificuldades,
devido às enormes distâncias interestelares. Por exemplo, a
distância até à estrela Polar é de 200pc, a Deneb é de 500pc e
ao centro da Galáxia é de 10kpc.
Não faz muito sentido lançar uma expedição científica, ao
sabermos que apenas daqui a milhares de anos receberíamos
algumas notícias. Torna-se patente que, com a tecnologia
actual, não podemos satisfazer as aspirações humanas de
explorar livremente o cosmos, na esperança de visitar outras
possíveis civilizações ou estudar de perto buracos negros,
super-novas e outras maravilhas. Parece que estamos para
sempre confinados à vizinhança imediata do Sistema Solar,
destinados à solidão cósmica. No entanto, estas dificuldades
podem ser contornadas, teoricamente, no âmbito da teoria da
gravitação de Einstein, a Relatividade Geral.
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Manuscritos do
artigo de Einstein de 1915.
Créditos: NCSA |
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O ponto fundamental em Relatividade Geral consiste na
possibilidade de modificar o tempo necessário para efectuar
uma viagem alterando a distância a percorrer ou, em
alternativa, obter velocidades arbitrariamente elevadas, sem
no entanto atingir a velocidade da luz, localmente.
De acordo com a Relatividade Geral, o espaço-tempo pode ser
extremamente curvo, de modo a ligar duas regiões distantes
através de um atalho. Este atalho hipotético é designado por
wormhole (tradução à letra: buraco de verme). Um wormhole
contém duas entradas que designaremos por bocas, ligadas por
um túnel, cuja circunferência mínima chamaremos garganta. É
possível visualizar um wormhole através de um diagrama de
mergulho, que idealiza um espaço-tempo com apenas duas
dimensões espaciais. Neste diagrama a garganta do wormhole é
representada por uma circunferência, mas no espaço-tempo 4-dimensional
seria uma esfera.
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Diagrama de
mergulho de um wormhole. O universo superior está
representado acima do plano. O universo inferior é uma
imagem espelho do universo superior. Créditos: http://casa.colorado.edu/~ajsh/home.html |
Os wormholes foram descobertos matematicamente como
soluções das equações de campo, por Flamm, em 1916, poucos
meses depois de estas terem sido formuladas por Einstein. Em
1935, Einstein e Rosen, numa tentativa de construir um modelo
geométrico de uma partícula elementar, encontraram soluções
que representavam o espaço físico por dois planos idênticos,
sendo a partícula uma ponte de ligação entre os dois planos.
Esta solução posteriormente ficou conhecida como a "Ponte de
Einstein-Rosen".
Os wormholes foram alvo de um estudo exaustivo, na década
de 50, pelo físico americano John Wheeler e seus colaboradores.
No entanto, nenhuma das soluções a que chegaram representa um
wormhole transitável no espaço-tempo. As soluções encontradas
eram as de um wormhole dinâmico que, uma vez criado, se
expandia até um valor máximo da garganta, contraindo-se
novamente até a garganta desaparecer. A expansão e a
contracção do wormhole é tão rápida que impede a travessia de
qualquer viajante ou mesmo de um raio luminoso.
Os físicos têm sido bastante cépticos em relação aos
wormholes desde a sua formulação. Entretanto deu-se um
renascimento do interesse em fins da década de oitenta,
parcialmente devido a um desafio lançado por Carl Sagan a Kip
Thorne, sobre a possibilidade real de viagens interstelares
rápidas, ideia utilizada no seu livro Contacto, que deu origem
a um filme com o mesmo nome.
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A equação de
campo de Einstein.
Créd: NCSA |
As novas soluções encontradas apresentavam algumas
características peculiares. Nomeadamente, a matéria que
constitui o wormhole tem uma densidade de energia negativa,
quando observada por um viajante que atravessa o wormhole a
uma velocidade elevada. Diz-se, por vezes, que esta matéria é
"exótica", porque viola algumas condições de energia que são
fundamentais para os teoremas clássicos sobre singularidades
do espaço-tempo. Aparentemente, as leis da física clássica
proíbem as densidades de energia negativas, mas a teoria
quântica de campo prevê a sua existência, consequentemente
violando algumas destas condições de energia. Este assunto
continua a ser alvo de uma investigação muito intensa. Espera-se
que uma eventual formulação de uma teoria gravitação quântica
venha a resolver este problema.
Além dos wormholes, foram encontradas outras soluções das
equações de Einstein que são úteis para possíveis viagens
interestelares hiper-rápidas. Destacaremos uma solução
descoberta por Miguel Alcubierre, denominada warp drive (tradução
à letra: distorção impulsionada), inspirada na fase
inflacionária do universo, em que é possível atingir
velocidades arbitrariamente elevadas. Tais velocidades advêm
da expansão do próprio espaço-tempo. Poderíamos utilizar uma
expansão do espaço-tempo para nos afastarmos de um objecto a
uma velocidade arbitrariamente elevada. De modo análogo, uma
contracção do espaço-tempo aproximar-nos-ia desse objecto. É
esta a base do modelo de Alcubierre para viagens
interestelares hiper-rápidas. O modelo consiste em criar uma
distorção local do espaço-tempo que produz uma expansão na
parte traseira de uma nave espacial e uma contracção na parte
frontal. Deste modo a nave será afastada da Terra e aproximada
de um destino distante pelo próprio espaço-tempo.
Noutra solução, conhecida por tubo de Krasnikov, é possível
a um viajante efectuar uma viagem de ida e volta num tempo
arbitrariamente pequeno, tal como é medido por um observador
em repouso no ponto de partida. Tal como nos wormholes, estas
duas soluções também violam as condições de energia, sendo por
isso a geometria do espaço-tempo respectivo produzida por
matéria exótica.
Outra consideração assombrosa acerca destas soluções é a
sua possível utilização como uma máquina do tempo, embora tal
viole aparentemente a causalidade. De facto a Relatividade
Geral está contaminada com geometrias que aparentemente
permitem viagens no tempo, através de curvas temporais
fechadas. Uma curva temporal fechada é uma máquina do tempo,
no sentido em que um viajante ao descrever uma trajectória no
espaço-tempo ao longo da curva, depara-se consigo próprio a
iniciar a viagem quando regressa ao ponto de partida.
Matéria exótica:
Matéria exótica, Construção e estabilidade de um wormhole
transitável
A única maneira de impedir o colapso gravitacional, tal
como ocorre nos buracos negros, e evitar a ocorrência de um
horizonte de acontecimentos será distribuir algum tipo de
matéria através do wormhole, de modo que este mantenha a
garganta aberta. Verifica-se que uma das maiores dificuldades
impostas à construção de um wormhole transitável reside nas
enormes tensões necessárias para mantê-lo aberto, empurrando
as suas paredes para fora. Concretamente, uma restrição que
advém da análise da aplicação da equação de Einstein da
gravitação impõe que a tensão radial exceda a densidade de
massa-energia. A matéria que satisfaz tal condição é
denominada matéria exótica. A natureza exótica dessa matéria é
especialmente problemática devido às implicações para as
medições efectuadas por observadores que se movem através da
garganta com uma velocidade radial próxima da velocidade da
luz. Se a velocidade for suficientemente elevada, o viajante
medirá uma densidade de energia negativa. Isto não significa
que a matéria exótica tenha também uma densidade de energia
negativa para um observador em repouso no interior do wormhole.
A densidade de energia é um conceito relativo, não absoluto.
Num dado referencial pode ter um carácter negativo e noutro
positivo. A matéria exótica tem uma densidade de energia
negativa para um viajante que atravesse o wormhole a uma
velocidade próxima da da luz, mas possui uma densidade de
energia positiva quando é medida por um observador em repouso
no referencial do wormhole.
A suposição da inexistência de densidades de energia
negativas constitui, possivelmente, um preconceito
profundamente enraizado na mente humana, devido à aparente
falta de evidência experimental. No entanto, a Teoria Quântica
de Campo prevê a existência de densidades de energia negativas
em certos estados de vácuo, sendo o chamado "efeito de Casimir"
o mais conhecido. Este efeito pode ser obtido recorrendo a
duas placas condutoras que se encontrem muito próximas uma da
outra. Devido às condições de fronteira impostas pela
proximidade das placas, estas excluem certos comprimentos de
onda de radiação das flutuações quânticas de vácuo, diminuindo
a energia do mesmo. Se medirmos a energia média entre as
placas, obteremos um resultado interessante: os campos
quânticos flutuantes têm um valor inferior a zero. Mas, de
acordo com Einstein, energia e massa são equivalentes, logo, à
energia negativa associada ao "efeito de Casimir" deverá
corresponder uma massa negativa.
É possível provar que qualquer wormhole não-estático e sem
simetria esférica é constituído por matéria cuja densidade de
energia é negativa para alguns observadores. Uma análise
qualitativa possível é a seguinte: um feixe luminoso que entra
numa boca e emerge na outra tem uma secção eficaz que
inicialmente diminui e depois aumenta ao atravessar a garganta.
A conversão do decréscimo para o acréscimo da secção recta
eficaz apenas pode ser produzida pela repulsão gravitacional
da matéria que constitui o wormhole, o que corresponde à
existência de densidades de energia negativas. Esta restrição
viola algumas condições de energia que são fundamentais para a
demonstração de alguns teoremas importantes sobre a existência
de singularidades.
A descoberta de que todos os wormholes necessitam de
matéria exótica para mantê-los abertos suscitou uma intensa
investigação em torno da violação das condições de energia, a
qual prossegue ainda hoje. Paralelamente, gerou, também, uma
certa resistência no sector mais conservador da comunidade
científica, que, não obstante, tem vindo a decrescer
consideravelmente.
Seria extremamente desconfortável para um viajante
interagir com matéria que apresente tensões elevadíssimas.
Existem várias maneiras de proteger um viajante de uma tal
interacção. Morris e Thorne sugerem que poderíamos colocar um
tubo de vácuo através do wormhole, com um diâmetro muito menor
do que o raio da garganta, e utilizar tensões nas paredes do
tubo para evitar o acoplamento da matéria exótica com o
viajante. Essa possibilidade quebra a simetria esférica do
wormhole, e teríamos de estudar as respectivas soluções das
equações de campo de Einstein para um wormhole não-esférico.
De facto, Matt Visser, um estudioso do assunto, descobriu
soluções de wormholes cúbicos e poliédricos. Essas soluções
têm a vantagem de um viajante não se deparar com matéria
exótica na travessia. A matéria exótica que constitui o
wormhole (apesar das suas tensões e densidade de energia
enormes) poderá acoplar muito fracamente com a matéria normal,
tal como acontece com os neutrinos e as ondas gravitacionais.
Na ausência de uma compreensão mais completa das propriedades
da matéria exótica, é impossível estabelecer uma análise
concreta sobre a estabilidade do wormhole face a pequenas ou
grandes perturbações, tais como as geradas pela travessia de
uma nave espacial.
Se é certo que os buracos negros parecem ser uma
consequência inevitável da evolução estelar, já não se pode
afirmar que exista um mecanismo natural para a criação de
wormholes. A construção de um wormhole é um assunto muito
problemático. É possível imaginar duas estratégias para
construir um wormhole: uma quântica e outra clássica.
A estratégia quântica é baseada nas flutuações de vácuo
gravitacionais. Estas são flutuações aleatórias e
probabilísticas na curvatura do espaço-tempo devido às tensões
entre regiões espaciais adjacentes que continua e mutuamente
retiram e restituem energia. Pensa-se que as flutuações de
vácuo gravitacionais existem em todo o espaço, mas os seus
efeitos são tão pequenos que, com a actual tecnologia, é
impossível detectá-los.
Em 1955, John Wheeler combinou de um modo grosseiro as leis
da Mecânica Quântica e da Relatividade Geral, deduzindo que em
regiões da ordem da escala de Planck, 10-35 m, as flutuações
de vácuo são tão grandes que o espaço-tempo como o conhecemos
"fervilha", constituindo uma autêntica espuma designada "espuma
quântica". É possível visualizá-la melhor recorrendo à
seguinte analogia: imagine-se um observador, voando nas
alturas, que vê o oceano por baixo como sendo perfeitamente
plano; diminuindo a sua altitude de voo, as ondas do mar
passam a ser ligeiramente visíveis e, descendo mais ainda,
depara-se com uma infinidade de ondas na superfície marinha.
Segundo Wheeler, a "espuma quântica" existe em qualquer região
do espaço-tempo, mas, para vê-la, seria necessário um
hipotético super-microscópio que permitisse observar o espaço
a escalas cada vez menores. Seria preciso descer da escala
humana, da ordem de grandeza do metro, passando pela escala do
átomo, 10-10m, e do núcleo atómico, 10-15m, até à escala de
Planck, 10-35m. A escalas relativamente grandes, o espaço
seria observado como plano e suave, mas, ao aproximarmo-nos da
escala de Planck, começaria a ondular ligeiramente, para
culminar numa espécie de "ebulição", correspondente a uma "espuma
quântica" probabilística. Poderíamos imaginar uma civilização
avançadíssima a extrair um wormhole transitável dessa "espuma
quântica", expandindo-o até atingir dimensões macroscópicas.
Thomas Roman, outro estudioso do assunto, oferece uma
perspectiva interessante. Suponhamos que um wormhole
transitável poderia formar-se no Universo recém-nascido,
através de uma flutuação quântica. É possível que se possa
converter um wormhole quântico num wormhole com dimensões
clássicas, num cenário inflacionário do Universo.
Relativamente à estratégia clássica, poderíamos imaginar
uma civilização extremamente avançada a distorcer o espaço-tempo
à escala macroscópica, para construir um wormhole. Seria
preciso romper o "tecido" do espaço-tempo em duas regiões e
cozê-las juntas. Este romper do espaço-tempo, na realidade,
consiste no aparecimento de uma singularidade, a qual,
possivelmente, é governada pelas leis de uma "teoria de
gravitação quântica" ainda por formular. A esse mecanismo dá-se
o nome de mudança topológica. Não saberemos se as mudanças
topológicas são exequíveis até à elaboração e compreensão duma
eventual "teoria de gravitação quântica".
É claro, qualquer esperança de construir um wormhole
depende da futura descoberta de um campo exótico, ou seja, de
um estado quântico de campos cuja tensão exceda a densidade de
energia à escala macroscópica. Mesmo que um campo exótico
venha a estar disponível, existem outras dificuldades,
nomeadamente: a possibilidade da mecânica quântica proibir uma
mudança topológica do espaço-tempo; a eventualidade dos
wormholes poderem ser altamente instáveis; e a possibilidade
da matéria exótica acoplar fortemente com a matéria normal, o
que impediria uma travessia.
À laia de conclusão podemos destacar o seguinte: apesar de
todas as dificuldades apresentadas, não existe qualquer prova
irrefutável que proíba a existência de wormholes como soluções
das equações de Einstein da gravitação. De modo que não nos
resta senão admitir os wormholes transitáveis no espaço-tempo
como uma possibilidade digna de investigação.
A nossa abordagem aos wormholes faz-se em 4 secções:
Autoria:
Francisco Lobo
Investigador do Centro de Astronomia e Astrofísica da
Universidade de Lisboa